terça-feira, 20 de agosto de 2013

Certidão negativa de débitos atrapalha recuperação

O plano de recuperação foi apresentado à Justiça no início de 2012.

Pedro Canário

A exigência de que uma empresa apresente certidão negativa de débitos tributários para ter seu plano de recuperação judicial é, na prática, um empecilho à recuperação de companhias em dívida. A conclusão é do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, na análise do pedido de recuperação judicial do Grupo Velox, prestador de serviços de consultoria em recursos humanos. A decisão é do dia 20 de junho.
O plano de recuperação foi apresentado à Justiça no início de 2012. Edital publicado com a relação de credores informou, em abril deste ano, que a empresa tem um passivo de R$ 43 milhões, entre dívidas trabalhistas e com fornecedores. A dívida fiscal é de R$ 25,2 milhões — ou seja, quase 60% do passivo total da empresa são tributos. A empresa é defendida pelo advogado Sergio Emerenciano, do escritório Emerenciano e Baggio Associados.
Segundo a decisão de junho, o plano foi aprovado por 82% dos credores, que representam 63% dos créditos, em assembleia-geral de credores. Na assembleia, estiveram presentes todos os credores trabalhistas, todos os credores com garantia real, em sua maioria bancos, e 85% dos credores quirografários — aqueles que entram na fila do regime especial descrito pela Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005).
De acordo com o juiz Marcelo Sacramone, o artigo 57 da Lei de Recuperações e Falências é claro quando diz que a empresa deve apresentar certidão negativa de débitos tributários junto ao plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores. No entanto, ele pondera que “na grande maioria dos casos (senão em todos os casos), a empresa em crise econômica acumula também passivo fiscal”.
Sobre esse ponto, Sacramone cita o artigo 68 da lei. O dispositivo diz que as Fazendas Públicas e o INSS podem deferir planos de parcelamento de seus créditos, “nos termos da lei específica”. Só que, de acordo com o juiz, essa lei específica nunca foi editada, o que deixa as empresas em dificuldade em condição ainda mais complicada com seus credores, principalmente com a Fazenda, já que, ao contrário das dívidas privadas não trabalhistas, as execuções fiscais não são interrompidas pela aprovação do plano de recuperação judicial.
“Tem-se, assim, que a inexistência da possibilidade legal do parcelamento da dívida fiscal representaria, na prática, vedação à aplicação do instituto da recuperação judicial de empresas. Por essa razão, diante da relevante finalidade social da lei de preservação da empresa, dos empregos e da atividade econômica, deve-se dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais enquanto não for editada legislação tributária que preveja a possibilidade de parcelamento de débitos fiscais especial para empresas em recuperação judicial”, registrou Sacramone na decisão.
Interpretação literal
O juiz Marcelo Sacramone citou diversos precedentes das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Todos analisam que o artigo 57 da Lei de Recuperações e Falências pode se tornar um obstáculo para que a empresa pague suas dívidas e volte a funcionar.
A análise foi mantida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Decisão relatada pelo ministro Luis Felipe Salomão afirma que a interpretação literal do artigo 57 da lei afronta a intenção da lei, que é reerguer empresas em dificuldades financeiras, e não a “amesquinhada visão de que o instituto visa a proteger os interesses do empresário”.
Salomão argumentou que levar ao pé da letra os artigos 57 da Lei de Recuperações e 191-A do Código Tributário Nacional (que exige a quitação integral do débito para concessão da recuperação), “inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto”. 
“O valor primordial a ser protegido é a ordem econômica”, afirmou o ministro. “Em alguns casos, é exatamente o interesse individual do empresário que é sacrificado, em deferência à preservação da empresa como unidade econômica de inegável utilidade social”, completou. 
Salomão também afirmou que, por mais que o artigo 68 da Lei de Recuperações, que fala no parcelamento de dívidas fiscais e previdenciárias, ainda não tenha sido regulamentada, o fatiamento é direito do contribuinte e suspende a execução fiscal. “Em regra, com a forte carga de tributos que caracteriza o modelo econômico brasileiro, é de se presumir que a empresa em crise possua elevado passivo tributário.”
Fonte: Consultor Jurídico

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