DIREITO TRIBUTÁRIO - Crédito Tributário - CND/Certidão Negativa de Débito
É indevido expedir Certidão Negativa de Débito (CDN) em nome de pessoa jurídica com referência apenas a negócios relacionados a uma das filiais da empresa, quando há pendências dessa mesma pessoa jurídica por negócios de outros de seus estabelecimentos. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão que havia garantido a expedição do documento em favor da Gillette do Brasil Ltda.
A expedição da certidão negativa foi determinada pelo Tribunal Regional Federal da 1° Região, ao julgar mandado de segurança impetrado pela empresa. Para os desembargadores federais, somente a existência de créditos regularmente constituídos contra o contribuinte poderia vedar a expedição do documento. A Fazenda Nacional recorreu ao STJ, sustentando que a demonstração de inexistência de pendência perante a administração tributária abrange tanto a matriz da empresa quanto suas filiais.
A Gillette – que produz aparelhos e lâminas de barbear, produtos higiênicos e de toucador, medicamentos, pilhas e baterias – pretendia obter a certidão negativa quanto à quitação de tributos e contribuições federais, ou certidão positiva com efeito de negativa, tanto em relação à matriz quanto em relação aos estabelecimentos filiais, de acordo com os artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional (CTN).
Para usufruir de benefícios fiscais concedidos pelo governo federal a empresas instaladas em Manaus, a Gillette afirmou que precisa comprovar constantemente sua regularidade fiscal. Além disso, ela faz campanhas promocionais com sorteios de prêmios, o que também exige comprovação constante de regularidade fiscal.
Segurança
O ministro Teori Zavascki, relator do caso, considerou irrelevante discutir se cabe ou não o fornecimento da certidão quanto à inexistência de débitos tributários relacionados às operações de apenas uma filial, ignorando a integralidade da pessoa jurídica.
Segundo o relator, o que não se pode é suprir, com o fornecimento de certidão negativa relacionada a operações de filial, a exigência de prova de regularidade fiscal na celebração de atos ou negócios jurídicos pela própria pessoa jurídica, perante o poder público ou terceiros.
“Em tais casos, é a pessoa jurídica, e não a filial – que sequer tem personalidade jurídica própria –, quem assume os direitos e obrigações decorrentes do ato ou do negócio celebrado e, portanto, quem assume a correspondente responsabilidade”, destacou o ministro Teori Zavascki.
O relator ressaltou ainda que expedir certidão sem rígidas garantias atenta contra a segurança das relações jurídicas: “A indevida ou gratuita expedição de certidão fiscal poderá comprometer gravemente a segurança de relações jurídicas assumidas na crença da seriedade e da fidelidade da certidão.”
Para ele, os riscos envolvem terceiros que, “assumindo compromissos na confiança da fé pública que a certidão negativa deve inspirar, poderão vir a ter sua confiança futuramente fraudada, por ter sido atestado, por certidão oficial, como verdadeiro um fato que não era verdadeiro”.
Concluindo seu voto, Teori Zavascki afirmou que “é inteiramente sem sentido e de nenhum significado jurídico” expedir certidão negativa em nome da pessoa jurídica se referindo apenas a negócios de uma de suas filiais quando, na verdade, há pendências dessa mesma pessoa jurídica, por negócios de outro ou outros dos seus estabelecimentos. A decisão da Primeira Turma foi unânime.
STJ
RECURSO ESPECIAL Nº 939.262 - AM (2007⁄0075905-1)
RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
EVÉRTON LOPES NUNES E OUTRO(S)
RECORRIDO : GILLETTE DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : TÚLIO FREITAS DO EGITO COELHO E OUTRO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO TRIBUTÁRIO RELATIVAMENTE A OPERAÇÕES DE FILIAL. ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS EM NOME DA PESSOA JURÍDICA. INVIABILIDADE DA EXPEDIÇÃO.
1. Não é cabível suprir, com o fornecimento de certidão negativa relacionada a operações de filial, a exigência de prova de regularidade fiscal na celebração de atos ou negócios jurídicos perante o Poder Público ou terceiros, em nome da própria pessoa jurídica. Em casos tais, é a pessoa jurídica - e não a filial, que sequer tem personalidade jurídica própria - quem assume os direitos e obrigações decorrentes do ato ou do negócio celebrado e, portanto, quem assume, como todo o seu patrimônio, a correspondente responsabilidade.
2. No caso, a finalidade da certidão negativa é a de comprovar a regularidade fiscal em atos e negócios jurídicos assumidos ou a serem assumidos pela pessoa jurídica e em cumprimento dos objetivos previstos em seu contrato social.
3. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Assistiu ao julgamento o Dr. JOSE PERICLES PEREIRA DE SOUSA, pela parte RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL.
Brasília, 1º de dezembro de 2011
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
Relator
Documento: 19263734 EMENTA / ACORDÃO - DJe: 09/12/2011
RECURSO ESPECIAL Nº 939.262 - AM (2007⁄0075905-1)
RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
EVÉRTON LOPES NUNES E OUTRO(S)
RECORRIDO : GILLETTE DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : TÚLIO FREITAS DO EGITO COELHO E OUTRO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:
Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, em mandado de segurança visando à expedição de CND, decidiu que "somente a existência de créditos regularmente constituídos contra o contribuinte pode vedar a expedição da Certidão Negativa de Débito" (fl. 232).
No recurso especial (fls. 240-250), a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação ao artigo 205 do CTN, aduzindo, em síntese, que a exigência de demonstração de inexistência de pendência perante a administração tributária abrange a matriz e as filiais de uma mesma empresa (fl. 245).
Em contra-razões (fls. 257-267), a recorrida postula, preliminarmente, o não conhecimento do recurso especial. No mérito, pede a manutenção do julgado.
Em parecer, o Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 311⁄313).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 939.262 - AM (2007⁄0075905-1)
RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
EVÉRTON LOPES NUNES E OUTRO(S)
RECORRIDO : GILLETTE DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : TÚLIO FREITAS DO EGITO COELHO E OUTRO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO TRIBUTÁRIO RELATIVAMENTE A OPERAÇÕES DE FILIAL. ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS EM NOME DA PESSOA JURÍDICA. INVIABILIDADE DA EXPEDIÇÃO.
1. Não é cabível suprir, com o fornecimento de certidão negativa relacionada a operações de filial, a exigência de prova de regularidade fiscal na celebração de atos ou negócios jurídicos perante o Poder Público ou terceiros, em nome da própria pessoa jurídica. Em casos tais, é a pessoa jurídica - e não a filial, que sequer tem personalidade jurídica própria - quem assume os direitos e obrigações decorrentes do ato ou do negócio celebrado e, portanto, quem assume, como todo o seu patrimônio, a correspondente responsabilidade.
2. No caso, a finalidade da certidão negativa é a de comprovar a regularidade fiscal em atos e negócios jurídicos assumidos ou a serem assumidos pela pessoa jurídica e em cumprimento dos objetivos previstos em seu contrato social.
3. Recurso provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):
1.O mandado de segurança foi impetrado em nome da pessoa jurídica Gillete do Brasil Ltda, inscrita no CNPJ sob nº 04.490.850⁄0001-76, com sede na Cidade de Manaus; e a finalidade da certidão negativa é a de comprovar a regularidade fiscal em atos e negócios jurídicos assumidos ou a serem assumidos pela pessoa jurídica no local de sua sede (Manaus) e em cumprimento dos objetivos previstos em seu contrato social. Diz-se, com efeito, na petição inicial:
A Impetrante é empresa que realiza a industrialização e a comercialização de aparelhos e lâminas de barbear, produtos higiênicos e de toucador em geral, medicamentos, pilhas e baterias, entre outros produtos, conforme previsto na Cláusula 3ª de seu Contrato Social (Doc. 1).
Visando usufruir de benefícios fiscais concedidos pelo Governo Federal para empresas instaladas em Manaus, Estado do Amazonas, que tenham projetos industriais aprovados pelo órgão competente, a impetrante constantemente precisa comprovar sua regularidade fiscal, especialmente no que diz respeito a tributos e contribuições federais.
Dessa forma, a impetrante mantém sempre renovada, de acordo com os respectivos prazos de validade, a Certidão de Quitação de Tributos e Contribuições Federais, no âmbito da Secretaria da Receita Federal; a Certidão Quanto à Dívida Ativa da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional; a Certidão Negativa de Débito relativa às Contribuições Previdenciárias emitida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; e a certidão negativa relativa ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS.
Acresça-se que, para o desenvolvimento de seu objeto social, a impetrante participa de campanhas promocionais, consistentes na distribuição gratuita, mediante sorteio, de prêmio a título de propaganda de seus produtos.
Tal distribuição gratuita de prêmios também impõe, nos termos da legislação federal (Lei 5.768, de 20 de dezembro de 1971), a necessária comprovação da regularidade fiscal da impetrante (fl. 5)
E o pedido formulado na impetração foi o seguinte:
À vista do exposto e dos documentos que integram a presente, com fundamento no artigo 7º, II, da Lei 1.533⁄51, a impetrante requer a V. Exa. se digne a conceder a MEDIDA LIMINAR que lhe assegure o direito líquido e certo de obter a certidão negativa quanto à quitação de tributos e contribuições federais ou, quando menos, certidão positiva com efeito de negativa, tanto em relação ao estabelecimento matriz da impetrante quanto em relação aos seus estabelecimentos filiais, nos termos dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional, com vistas à permitir que a impetrante exerça regularmente suas atividades sociais, especialmente no que diz respeito à comprovação da sua regularidade fiscal na SUFRAMA, para fins de fruição dos benefícios fiscais por estar estabelecida na Zona Franca de Manaus, bem como para participar de campanhas promocionais de distribuição gratuita, mediante sorteio, de prêmios a título de propaganda de seus produtos, sem que as alegadas restrições sejam óbice à expedição do documento.
Concedida a liminar, requer a impetrante, em razão da extrema urgência que envolve o presente pedido, que a medida liminar faça as vezes de ofício à d. Autoridade Coatora.
Requer, por fim, que processado o presente mandado de segurança, requisitadas as informações e ouvido o d. Representante do Ministério Público, seja-lhe concedida a segurança definitiva, nos termos da Lei 1.533⁄51, para os fins acima indicados. (fls. 17⁄18)
O que se alega como fundamento da impetração é a inexistência de crédito tributário devidamente constituído contra a Impetrante. Nada se alega sobre distinção entre matriz e filiais. O que se diz é que a negativa de fornecimento da certidão se deu por existir pendências relativas a uma filial. Para comprovar sua regularidade fiscal pretérita, juntou cópia de CND em nome da pessoa jurídica (fl. 110).
2.Assim traçadas as circunstâncias da causa, merece provimento o recurso especial. É irrelevante saber se é cabível ou não o fornecimento de certidão negativa quanto à inexistência de débitos tributários relacionados a operações de somente uma filial, ignorando a pessoa jurídica em sua integralidade. O que certamente não é cabível é suprir, com o fornecimento de certidão negativa relacionada a operações de filial, a exigência de prova de regularidade fiscal na celebração de atos ou negócios jurídicos perante o Fisco ou terceiros celebrados pela própria pessoa jurídica. Em casos tais, é a pessoa jurídica - e não a filial, que sequer tem personalidade jurídica própria - quem assume os direitos e obrigações decorrentes do ato ou do negócio celebrado e, portanto, quem assume, como todo o seu patrimônio, a correspondente responsabilidade.
É preciso enfatizar que o especial cuidado dispensado pelo legislador ao fixar exaustivamente as hipóteses de suspensão da exigibilidade de tributos e de cercar de adequadas garantias à expedição de certidões negativas, ou de positivas com efeito de negativa, tem razão de ser que vai além do resguardo dos interesses do Fisco. Busca-se dar segurança ao sistema como um todo, inclusive aos negócios jurídicos que terceiros, particulares, possam vir a celebrar com os devedores de tributo. A indevida ou gratuita expedição de certidão fiscal poderá comprometer gravemente a segurança dessas relações jurídicas, assumidas na crença da seriedade e da fidelidade da certidão, risco esse a que estarão sujeitos, não propriamente o Fisco – cujos créditos, apesar de a certidão negativa sugerir o contrário, continuarão existindo, íntegros, inabalados e, mais ainda, garantidos com privilégios e preferências sobre os dos demais credores –, mas os terceiros que, assumindo compromissos na confiança da fé pública que a certidão negativa deve inspirar, poderão vir a ter sua confiança futuramente fraudada, por ter sido atestado, por certidão oficial, como verdadeiro um fato que não era verdadeiro. Para evitar esse tipo de ocorrência é que o legislador foi cuidadoso e parcimonioso ao fixar as hipóteses de suspensão da exigibilidade de tributos, que inibem sua cobrança e permitem a expedição de certidões negativas. Nessas circunstâncias, expedir certidão, sem rígidas garantias, atenta contra a segurança das relações jurídicas. Nesse aspecto, mostra-se inteiramente sem sentido e de nenhum significado jurídico em relação às responsabilidades fiscais da pessoa jurídica expedir certidão negativa em seu nome, mas se referindo apenas a negócios relacionados a uma de suas filiais, quando, na verdade, há pendências dessa mesma pessoa jurídica, por negócios de outro ou outros dos seus estabelecimentos.
3.Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para denegar a ordem. Custas pela impetrante. Sem honorários (art. 25 da Lei 12.016⁄09). É o voto.
Documento: 17235982 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO