terça-feira, 23 de agosto de 2011

As confissões de um analista de rating

Carregando...Carregando... Ex-funcionário da Moody’s quebra o silêncio em uma carta enviada ao regulador americano
 
São Paulo – O conflito de interesses para o qual um funcionário de uma agência de classificação de risco é desafiado diariamente foi posto às claras por William J. Harrington, um ex-analista sênior que trabalhou na Moody’s entre 1999 e 2010. Em uma “quase confissão” de 78 páginas, as questionáveis políticas das empresas responsáveis por diferenciar produtos financeiros confiáveis daqueles mais, digamos, “oportunistas”, são detalhadas a um nível incrível.

Harrington, que foi vice-presidente para produtos derivativos entre 2006 e 2010, os mesmos responsáveis por produzir análises desastrosas durante a bolha imobiliária americana, relata um a um os conflitos de interesse mais presentes nas decisões de ratings tomadas individualmente e em conjunto em um documento encaminhado para a SEC (Securities and Exchange Commission). O regulador do mercado de capitais americano está recebendo propostas e comentários para uma revisão das regras para as agências de rating.
Um dos primeiros conflitos que ele cita é também o mais conhecido. A Moody’s e as outras agências são pagas pelas empresas que emitem os títulos que serão avaliados por elas. Segundo ele, esse aspecto incentiva todos na companhia, inclusive os analistas, a conferir aos clientes da Moody’s o que eles desejam, para que não os afaste para as outras classificadoras. Harrington chama atenção principalmente para a participação da diretoria da agência nos comitês que debatem as notas que serão conferidas a cada produto.

“O objetivo da administração é o de moldar os analistas em flexíveis cidadãos corporativos que miram os seus votos no comitê em linha com o imutável credo corporativo de maximizar os lucros”, dispara. A influência da diretoria vai além à participação nos comitês e está presente em todas as áreas das operações diárias, incluindo a alocação das responsabilidades dos analistas, revisões anuais, salários, promoções, reuniões de grupo, comunicações internas e conversas informais.

“A administração também ameaçava explicitamente a segurança do emprego dos analistas que ‘impediam acordos’, e isso era feito tanto de uma forma coletiva com o staff do grupo de derivativos quanto individualmente para alguns analistas por Brian Clarkson (diretor geral da Moody’s à época), com a cumplicidade dos gerentes do grupo”, destaca. Em abril de 2008, um artigo publicado pelo The Wall Street Journal revelou algumas das medidas nada ortodoxas tomadas por Clarkson para aumentar o lucro da companhia.
“Quando o Sr. Clarkson entrou na Moody’s, a agência era conhecida como um lugar no qual os analistas não atendiam prontamente aos telefones e muito menos conversavam por muito tempo com as companhias que avaliavam”, diz o artigo. “Assim que começou a subir na empresa, ele determinou uma abordagem mais amigável aos clientes e focou em ganhar mercado”. O executivo “sacudiu” a agência ao demitir cerca de 12 analistas e contratar novos para trabalhares sob a “nova metodologia”. Harrington também nota essa mudança cultural.
“O conselho da Moody’s Corporation, que comanda a Moody’s, não supervisiona a independência dos analistas e nem há qualquer incentivo para isso. A Moody’s tem apresentado lucros em todos os trimestres desde a sua venda de ações em 2000. Os resultados caíram com a crise financeira, mas ainda assim ficaram positivos”, diz o ex-analista da agência.

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