terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Acusado de sonegar pode ser preso antes do fim de processo


Decisão do Supremo relativiza manifestação anterior, de 2009, sobre a caracterização de crimes tributários
NÁDIA GUERLENDA
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal admitiu em decisão recente que o acusado de sonegar impostos pode ser processado criminalmente e até preso antes do fim da discussão administrativa sobre a dívida tributária.
O entendimento, segundo especialistas, relativiza súmula vinculante do próprio Supremo, de 2009, que determina que o crime tributário somente pode ser caracterizado após o fim do processo administrativo que declara a existência do débito.
A decisão recente foi dada em pedido de habeas corpus de um homem preso desde 2010 no Espírito Santo por sonegação fiscal. A defesa alegou que, como o processo criminal havia se iniciado antes da conclusão do administrativo, a prisão é ilegal.
O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, disse que, como não há lei que exija o fim do procedimento administrativo para iniciar a ação penal, é preciso analisar caso a caso se houver essa necessidade.
Para ele, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, no caso específico, não havia essa necessidade.
"O duro de ter uma súmula vinculante é que se passa praticamente a bater carimbo, como se todas as situações fossem iguais", afirmou Marco Aurélio à Folha.
Eles concordaram ainda com a argumentação da Procuradoria-Geral da República, que afirmou que eventuais problemas no processo criminal foram sanados pelo fato de o procedimento administrativo ter confirmado a existência da dívida e ter terminado antes que a sentença penal fosse pronunciada.
O ministro José Antonio Dias Toffoli foi o único da 1ª Turma que votou contra esse entendimento, dizendo que ao caso se aplicava a súmula de 2009, sem relativização.
Para o advogado Alexandre Siciliano, a situação gera insegurança jurídica para os contribuintes. Segundo ele, a súmula vinculante trouxe "objetividade" à questão. "Quando se relativiza a súmula, volta a haver subjetividade nessa análise", afirma.
O ministro Marco Aurélio defende a relativização da súmula "até certo ponto", para não prejudicar a atuação do Ministério Público, desde que seja feita a distinção observando caso a caso.
Análise

Para evitar danos irreparáveis, é preciso esgotar a discussão na via administrativa
BRUNO SALLES PEREIRA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA 
A exigência do esgotamento das instâncias administrativo-fiscais para a instauração de ação penal nos crimes contra a ordem tributária é condição indispensável para o cumprimento do princípio da legalidade e da tipicidade penal.
No ordenamento jurídico nacional, o crime é construído por meio de tipos penais, fórmulas gerais constituídas de modelos de comportamentos e elementos típicos, que devem ser preenchidos no caso concreto, para que possa ser reconhecida a existência de uma conduta criminosa.
No caso dos crimes materiais contra a ordem tributária, o tributo é um dos elementos do tipo penal, cuja comprovação é indispensável para que se admita a investigação policial e a instauração da ação penal. Ilustrativamente: assim como não pode haver crime de homicídio sem morte, não pode haver crime contra a ordem tributária sem a existência do tributo.
É por isso que, após intensos debates doutrinários e acadêmicos, a jurisprudência dos tribunais superiores passou a reconhecer que o fim do processo administrativo que discute a exigência do tributo é condição indispensável para a instauração de inquérito policial e o prosseguimento da ação penal.
Assim, a súmula vinculante nº 24, do STF, prevê que "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, (...), antes do lançamento definitivo do tributo".
A súmula, que vincula a decisão de juízes de todas as instâncias -inclusive do próprio STF-, evita situação de insegurança jurídica. Se fosse permitida a instauração de ação penal antes de concluída a discussão sobre a exigência do crédito tributário, poderíamos nos deparar com a absurda situação de haver condenação e prisão por crime contra a ordem tributária em que, posteriormente, se venha a reconhecer a inexistência do tributo que fundamentou a condenação.
Essa possibilidade se tornaria uma probabilidade diante do complexo sistema tributário, cujos processos administrativos acabam na maior parte das vezes reconhecendo a improcedência das autuações fiscais.
Por isso, o aguardo do término da discussão na esfera administrativa é indispensável para a prevenção de gravosas e irreparáveis ilegalidades no âmbito penal.
BRUNO SALLES PEREIRA RIBEIRO é advogado do Cascione, Pulino, Boulos & Santos Advogados.
Folha de S.Paulo

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